A moeda e o dado: transcendendo a dualidade
Nos últimos 150 anos, a sociedade avançou em muitos aspectos, desenvolvendo novas técnicas, materiais e informações. Porém, esse progresso, acompanhado por um imenso volume de dados, também fomentou uma postura tecnicista e dualista: a filosofia do “ou”. Esta forma de pensar reflete a simplicidade de uma moeda: dois lados opostos, sem espaço para a complexidade.
A filosofia do “ou” permeia nossa vida cotidiana de maneiras aparentemente simples: você é meu amigo ou inimigo; eu gosto ou não gosto; razão ou emoção. É um mecanismo de classificação binário e estático que prioriza a separação, uma visão que favorece as partes ao invés de considerar o todo. Essa maneira de pensar constrói um mundo de concorrência, onde se acredita que para uma ideia ou visão prevalecer a outra precisa ser suprimida. Uma visão que fomenta a disputa, a imposição e a exclusão.
No entanto, quando ajustamos nossa lente para enxergar o todo, percebemos que a vida não pode ser compreendida em termos tão restritos. A realidade humana, por exemplo, não é composta de escolhas excludentes. Somos feitos de razão, emoção, espiritualidade e a interação complexa entre esses aspectos. Assim, não somos uma moeda com apenas dois lados, mas sim um dado com múltiplas facetas. E, ao contrário da moeda, onde uma face obscurece a outra, o dado nos permite ver várias faces ao mesmo tempo. Esse é o padrão da filosofia do “e”, onde a união, a soma e a complexidade constroem uma visão mais ampla e integrada da existência.
Esse despertar, de transitar do “ou” para o “e”, tem um impacto profundo na forma como nos percebemos e interagimos com o mundo. Durante grande parte da minha vida, fortaleci algumas áreas em detrimento de outras, vivendo sob a ótica da moeda. Agora, com o padrão do dado, estou aprendendo a fortalecer facetas diversas, convivendo harmonicamente com cada uma delas. Ao invés de separação, escolho a integração. Ao invés de competição, escolho a colaboração.
A sustentabilidade só ganha verdadeiro significado quando adotamos uma visão integral, que reconhece a interdependência entre o indivíduo e a sociedade. Esse conceito deve partir do íntimo de cada ser humano, pois a mudança no comportamento pessoal é o primeiro passo para transformar o coletivo. Sustentabilidade não é apenas sobre escolhas ecológicas, mas sobre a integração de valores que promovem equilíbrio, cooperação e responsabilidade em todas as esferas da vida. Quando a consciência individual se expande para o entendimento de que todos os processos — desde o uso de recursos até as relações sociais e econômicas — estão conectados, a sustentabilidade passa a ser uma força transformadora, criando um impacto positivo em larga escala. A transformação começa no "eu", mas só ganha potência quando se torna um "nós", capaz de reestruturar os sistemas que governam nossas vidas e o planeta.
Nossa sociedade, influenciada pela visão dualista herdada do pensamento cartesiano, moldou-se sob a crença de que o progresso resulta da competição. Essa ideia encontra suas raízes na interpretação de Darwin, que, em 1859, com seu livro "A Origem das Espécies", apresentou a base da Teoria da Evolução. A noção de que a sobrevivência depende da disputa foi rapidamente absorvida como um pilar da sociedade moderna. Contudo, essa visão de mundo, válida para a evolução biológica das espécies, não pode ser simplesmente aplicada à complexidade humana. A vida social, cultural e espiritual transcende a mera competição. No entanto, esse pensamento simplificado persiste, onde o sucesso de alguém é frequentemente definido pelo derrotar do outro.
Esse reducionismo cartesiano me incomoda profundamente. A vida, acredito, é uma questão de "e" e não de "ou". Posso ser racional e emocional, espiritual e material. Não são conceitos mutuamente excludentes, mas complementares. A filosofia do “e” é construída sobre a colaboração, a soma de esforços, a coexistência harmoniosa.
O espiritismo, por exemplo, promove a fé raciocinada, que une fé e razão de maneira sinérgica, ao invés de segregá-las. Diferentemente de outras tradições religiosas que pregam uma fé cega, muitas filosofias espiritualistas incentivam o questionamento, o estudo, o raciocínio crítico. Isso reflete a própria essência do "e", onde a emoção e a razão caminham juntas, sem conflito, na busca por uma compreensão mais profunda da realidade.
A formação do homem com base no pensamento cartesiano separatista vê o físico, a emoção e o espírito como componentes isolados. Já o pensamento sistêmico, ao contrário, entende o ser humano como um ser integrado, onde essas facetas são indissociáveis. A visão cartesiana, que fragmenta o indivíduo e o mundo, não é capaz de lidar com a complexidade da vida moderna. Tentar viver num mundo dinâmico e interconectado utilizando um pensamento tão limitado é como tentar colocar um motor de Porsche em um Fusca – a complexidade da vida exige algo muito mais robusto do que uma visão reducionista.
A filosofia do “e” nos oferece uma lente mais ampla para enxergar o mundo e a nós mesmos. Ela nos convida a sair da rigidez da moeda e abraçar a multiplicidade do dado, onde cada faceta contribui para a construção de um todo mais forte e harmonioso. A partir dessa perspectiva, a cooperação substitui a competição, e a integração se torna a chave para a nossa evolução – não apenas como indivíduos, mas como sociedade.